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SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO



Certamente, o estagirita Aristóteles não previu tamanhos paradigmas na construção ontológica do ser – paradigmas estes, iniciados na formação da essência do “eu”, do simples conceito do que é ser, do existir e do sopro de sua potencialidade. É fato que estamos em tempos modernos e, por isso, obviamente, aquém do tempo aristotélico, todavia alguns elementos que compõem estruturalmente a construção o “eu” deveriam em sua base carregarem as mesmas características, como a ética, a moral, a compaixão e, sobretudo o sentimento humano, que um tanto quanto, aplicar-se-iam naturalmente ao cerne, tornando-se inerente ao homem. Hoje, factualmente recai sobre todos nós uma necessidade, quase, senão, incontrolável da constante potencialização do “eu”, daí a enorme adesão às redes sociais.


A exemplo, muitas pessoas apelidaram o Facebook de “Revista Caras” do “povo não famoso”, numa visão otimista, se pressupomos que o que esteja na famosa Rede Social seja célebre ou importante, uma vez que lá são expressas opiniões sobre tudo. Devemos admitir, no entanto que, o Facebook trata-se de um bom exercício desde a invenção da imprensa. A grande questão é se alguém ouve a opinião alheia, aquela que ecoa do desespero e da angústia existencial, a exemplo de Aylan Kurdi, um inocente garotinho sírio de apenas três anos, que morreu afogado em Bodrum, na Turquia. A foto do corpo de Aylan na praia, sendo resgatado por um policial, tornou-se um símbolo da crise migratória na Europa.


Além do menino, um de seus irmãos e sua mãe também morreram no naufrágio; apenas o pai dele sobreviveu. Ora, a questão então seria quem sou eu? Que com tamanho poder de comunicação de massas e a consequente evolução desde a era aristotélica, fico cego e avalizo tamanha falta de humanidade no mundo. O grito de desespero ainda existe e, mesmo após a imbecialidade humana permite sofrimento e dor. É raro encontrar alguém que goste de guerras e de conflitos. Porém, a maioria das pessoas concorda que algumas guerras são necessárias quando o propósito delas é assegurar a liberdade, promover a justiça e defender pessoas inocentes, prevenindo que elas sejam perseguidas e massacradas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista cometeu o assassinato sistemático de milhões de pessoas. Seis milhões de judeus, inclusive um milhão e meio de crianças, foram mortos pelos nazistas, ato este conhecido como Holocausto. Inúmeros pesquisadores afirmam que este genocídio ocorreu porque muitos países, alegando motivos pacifistas, se recusaram a lutar contra a barbárie nazista, já alguns filósofos como Theodor Adorno e Max Horkheimer em sua obra “A Dialética do Esclarecimento”, atribuem tamanha desumanização a uma vergonha humana sem precedentes. Em lugar do progresso, a barbárie. É essa a intimidante constatação que nos apresentam Adorno e Horkheimer em sua crítica à sociedade ocidental contemporânea e seu culto à técnica e à racionalidade. O esclarecimento, vertebração do projeto iluminista que pretendeu redimir o mundo pelo conhecimento, através da razão, forjou, ao contrário, uma sociedade repressora e totalitária. O processo de racionalização que sustenta a filosofia e a ciência, em lugar de libertar os homens, proporcionou-lhes o controle, a dominação pelo cálculo.


Fato é que no Século XXI, o conhecimento tomou novos patamares de validação, contudo não estamos mais humanos ou complacentes, temos a chance, mas não conseguimos, só estamos incrivelmente mais ocupados com o mundo virtual e com as “distrações” tecnológicas –, as mesmas que poderíamos dominá-las e aplicá-las em benefício da humanidade, mas não o fazemos. É preocupante que a realidade virtual possa sobrepor-se à realidade real em detrimento de uma construção do “eu” inóspito, leviano, imoral e inerte aos problemas que afligem a humanidade. Mais preocupante ainda é a alienação e a permissividade de genocídios “brancos” em proporções hitlierianas. A sensação é de que não dominamos as comunicações, mas como uma alusão à “Revolução das máquinas”, somos os dominados e, por conseguinte nos distraímos, quando deveríamos cuidar das nações e da propagação da compaixão e soletude em benefício à perpetuação sadia da raça humana. Enfim, cabe a reflexão sobre a perspectiva da possibilidade de um dia, tomarmos a dúvida aristotélica como ponto de partida para a construção de um “ser” a partir do “eu”.

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